quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Nox

Noite, vão para ti meus pensamentos, 
Quando olho e vejo, à luz cruel do dia, 
Tanto estéril lutar, tanta agonia, 
E inúteis tantos ásperos tormentos... 

Tu, ao menos, abafas os lamentos, 
Que se exalam da trágica enxovia... 
O eterno Mal, que ruge e desvaria, 
Em ti descansa e esquece alguns momentos... 

Oh! Antes tu também adormecesses 
Por uma vez, e eterna, inalterável, 
Caindo sobre o Mundo, te esquecesses, 

E ele, o Mundo, sem mais lutar nem ver, 
Dormisse no teu seio inviolável, 
Noite sem termo, noite do Não-ser! 

Antero de Quental, in Sonetos.
 

A Um Poeta- Análise.

O poema é constituído por duas quadras e dois tercetos, logo, este poema é um soneto. O termo ''poeta'' poderá remeter para a figura de um idealista, possivelmente em consonância com o espírito da época. A referência ao espírito do mundo romântico, triste e sombrio, percebe-se quando, personificando o sol, usa a metáfora em "Afugentou as larvas tumulares" (v. 6) e "Um mundo novo espera só um aceno" (v. 8). O sujeito poético faz um apelo a todos os poetas.
Na primeira quadra encontramos a passividade do poeta em relação da realidade social e politica do mundo (v.4). Na segunda quadra e no primeiro terceto surge uma antítese que confirma o que se disse na primeira quadra, Antero apela a consciência do poeta e afirma que este tem de mudar a sua atitude pois essa sua atitude está a por em causa o povo que precisa de solidariedade(vv. 9 e 10). No último terceto (chave de ouro ou chave do soneto), Antero conclui, apela a ação ( ''Ergue-te''. v.12) dando destaque á poesia utilizada como arma. 
Em todo o soneto encontra-se um apelo a necessidade de agir.É em poemas como este que Antero aposta na poesia como forma de revolução. 




A Um Poeta

Surge et ambula!
Tu, que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno,

Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno,
Afugentou as larvas tumulares...
Para surgir do seio desses mares,
Um mundo novo espera só um aceno...

Escuta! é a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem! São canções...
Mas de guerra... e são vozes de rebate!

Ergue-te, pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate.


Antero de Quental, Sonetos.

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Antero Apolineo e Antero Dionisiaco: Os Dois Anteros.

Resultado de imagem para day and nightPodemos dizer que existem dois Anteros, o Antero Apolineo e o Antero Dionisíaco. Esta ideia da existência de dois Anteros é uma ideia defendida por António Sérgio que tem por base a oposição dos temas escritos por Antero. Os poemas são uma expressão por um lado, de um activista defensor de ideais de renovação e, por outro, de uma ideia pessimista e negativa.


  • Antero Apolineo;
Antero apolineo ou Antero luminoso ilustra a tendência luminosa uma atitude combativa e de origem romântica de defesa de um projecto social, aliado ao papel que ao Poeta cumpre desempenhar, nunca dissociando a sua condição e o seu trabalho da reflexão estética acerca da essência e da função da poesia no contexto histórico,é sinal de modernidade nas letras portuguesas.
Exemplos de Antero Apolieno: o soneto "A um poeta"


  • Antero Dionisíaco;
Pode ser chamado Antero Dionisíaco ou Antero nocturno ou romântico.O Antero dionisíaco ilustra a tendência nocturna visam uma interpretação do espaço nocturno e da forma como o sujeito poético se relaciona com a manifestação assumida a noite como expressão do absoluto.
Exemplo de Antero Dionisíaco: o soneto "Nox"

Geração de 70 e a Questão Coimbrã


  • Questão Coimbrã;

As Conferencias do Casino são uma consequência da grande polémica conhecida por "Questão Coimbrã" que acontece em Coimbra, em 1865.
Trata-se da oposição ao "ultrarromântico" António Feliciano de Castilho, a propósito de um prefácio a um livro de poesia publicado em Lisboa, em 1862.
Isto provoca uma polémica entre aqueles que apoiavam os ultrarromânticos e os que apoiavam a prosa "moderna". Antero era um dos que defendia a prosa "moderna".
A Questão Coimbrã também é conhecida pela Questão de Bom Senso e Bom Gosto.
A polémica começou em Outubro de 1865, quando António Feliciano de Castilho mencionou, na carta-posfácio ao Poema da Mocidade, de Pinheiro Chagas, a escola moderna de Coimbra e a sua poesia ininteligível, ridicularizando o aparato filosófico e os novos modelos literários de que ela se nutria, numa referência provável às teorias filosóficas e poéticas expostas nos prefácios a Visão dos Tempos Tempestades Sonoras (ambas de 1864), de Teófilo Braga, e na nota posfacial das Odes Modernas, de Antero de Quental (de julho de 1865).  
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  • Geração de 70;
Mais ou menos em 1865, um grupo de jovens de Coimbra, do qual Antero de Quental era líder, transforma-se em pensadores, artistas, historiadores, escritores e poetas. Este grupo contacta com as novidades da Inglaterra, da Alemanha e da França. Revelam o seu inconformismo com o facto de Portugal ser tão conservador.Tentandentender o Romantismo, apercebem-se da necessidade de desenvolver uma revolução cultural porque:

  •  o 1º. romantismo  se limitou aos problemas nacionais
  • o 2º.  romantismo limitou-se a aprofundar o sentimentalismo, levado à frustração, afastando as ideias novas da arte em geral. 

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

As Conferencias do Casino Lisbonense.

Um conjunto de conferências realizadas em Lisboa em 1871 que surgiu quando das reuniões do "Cenáculo" e que teve como impulsionador Antero de Quental. 
Este é o ponto mais alto da Geração de 70. Visavam abrir um debate sobre o que de mais moderno, a nível de pensamento, se vinha fazendo lá fora. Aproximar Portugal da Europa era o objectivo máximo, anunciado, aliás, no respectivo programa. Das várias conferências previstas, só se realizaram cinco, pois a partir da sexta, as conferências foram proibidas pelo governo, sob a alegação que elas atacavam "a religião e as instituições políticas do Estado". Esta proibição levantou uma enorme onda de protestos de novo encabeçada por Antero de Quental. Este espírito revolucionário e positivista dominava a maioria da jovem classe pensante.

Antero de Quental

Resultado de imagem para antero de quentalAntero de Quental, nasceu no ano de 1842, e faleceu em 1891. Poeta e filósofo português, introdutor do socialismo em Portugal, Antero formou-se em Coimbra antes de partir para Paris, onde viveu uma experiência fracassada como tipógrafo. Procurava polémicas, como a da “Questão Coimbrã” com António Feliciano de Castilho a partir de seu opúsculo “Bom senso e bom gosto”, ou na questão das Conferências do Casino, em que apresentou sua “Causa da decadência dos povos peninsulares”, Antero cultivou inicialmente uma poesia  (Odes Modernas, 1863) antes de se dedicar ao soneto, que cultivou ao longo da vida, desenvolvendo neles suas ideias religiosas e filosóficas. A publicação dos sonetos Completos, em 1866, com prefácio de Oliveira Martins, consagram-no como o grande poeta da Geração de 1870. Uma vida complicada por problemas físicos e psicológicos acabou levando-o ao suicídio, num jardim de Ponta Delgada, gesto emblemático que contribuiu para mitificá-lo com a expressão de Eça: “Um génio que era um santo.”

sábado, 1 de outubro de 2016

Análise do poema "Não Te Amo"

O assunto do poema “Não te amo” de Almeida Garrett é a oposição entre o amor e o desejo. Na primeira estrofe o sujeito poético evidencia que não tem amor de alma pela mulher, mas sim desejo. Esta oposição está na origem do dilema que atormenta o sujeito poético, aumenta a sua indefinição. Na segunda estrofe está expressa a ideia de que a vida do sujeito poético não é movida pelo amor espiritual, usando então uma hipérbole “E a vida – nem sentida/A traga eu já comigo.”
Resultado de imagem para não te amo almeida garrettNa terceira estrofe, encontramos a presença da mulher demónio, ou seja, desperta no sujeito um amor carnal, capaz de o dominar, mas por mais paixão que sinta, nunca chega a ser amor. No segundo verso da segunda estrofe, há uma dupla adjetivação que desta a natureza contraditória do sujeito poético. Na quarta e quinta estrofe, o sujeito poético não consegue resistir à mulher e diz que se a amasse seria algo forçado. Depois da quinta estrofe, há uma divisão na composição poética. A sexta estrofe, ou seja, a última estrofe funciona como uma autocrítica, em relação de o Eu lírico querer tanto esta mulher, mas não a amar.Há dois verbos cujos significados jogam os lados deste conflito: amar e querer. Amar do lado da alma e querer do lado do corpo. E é neste jogo reiterado ao longo do poema que se estende a insistente afirmação de que entre este eu e este tu não se passou do plano terreno ao plano divino, não se atingiram as sublimes alturas do amor e se rasteja em terror e infâmia num querer que enfurece o sangue, mas deixa a alma morta.
Este poema faz lembrar as cantigas de amor, refira-se o paralelismo na construção do poema e o registo corrente e que sublinham as características românticas. Do Romantismo referir ainda o tom confessional e intimista; alusão a elementos mórbidos como jazigo, aziaga estrela, má hora, perdição, feitiço azado, medo, terror; características da poesia de alcova; liberdade/irregularidade métrica; um certo tom teatral; excesso passional; sentimento de culpa; autocrítica própria do sujeito poético; 
  • Antítese- intensificando a contradição entre Amar e Querer;
  • Dupla Adjetivação;
  • Apóstrofe;
  • Pergunta de retórica;
  • Paradoxo;
  • Hipérbole.

Não Te Amo- Almeida Garrett

Não te amo, quero-te: o amar vem d’alma. 
      E eu n’alma - tenho a calma, 
      A calma - do jazigo. 
      Ai! não te amo, não. 

Não te amo, quero-te: o amor é vida. 
      E a vida - nem sentida 
      A trago eu já comigo. 
      Ai, não te amo, não! 

Ai! não te amo, não; e só te quero 
      De um querer bruto e fero 
      Que o sangue me devora, 
      Não chega ao coração. 

Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela. 
      Quem ama a aziaga estrela 
      Que lhe luz na má hora 
      Da sua perdição? 

E quero-te, e não te amo, que é forçado, 
      De mau, feitiço azado 
      Este indigno furor. 
      Mas oh! não te amo, não. 

E infame sou, porque te quero; e tanto 
      Que de mim tenho espanto, 
      De ti medo e terror... 
      Mas amar!... não te amo, não. 


Almeida Garrett, in 'Folhas Caídas' 

Almeida Garrett


Folhas Caídas.

É uma colectânea de poesias escritas por Almeida Garrett e publicada na fase final da sua vida, em Abril de 1853, um ano antes de morrer, em 9 de dezembro de 1854. Segundo diversos estudiosos, Garrett escreve a obra como forma de demonstrar seu amor a Rosa Montufar (a viscondessa da Luz).
São inúmeras as marcas românticas presentes nos poemas desta colectânea: a)Tratamento do tema dicotomia amor/paixão; b)Confessionalismo literário; c)Defesa do mito de Rousseau do bom selvagem – crença na corrupção inerente ao homem social que se opõe à sua bondade inata;
d) Apologia da liberdade de sentir/amar sem quaisquer constrangimentos sociais – ex: o casamento; e) Dicotomia mulher-anjo / mulher fatal; f) Concepção de amor como força avassaladora, tirana e irracional; g) Presença de alguns temas e formas populares – ex: a pesca; utilização da quadra (quatro versos numa estrofe) e da redondilha maior e menor (sete e cinco sílabas métricas).
A linguagem do autor é simples, por vezes coloquial e familiar, não sendo, no entanto, vulgar ou descuidada. O estilo é hiperbólico, exclamativo, socorrendo-se de inúmeros artifícios como: 
  • Metáfora – Pescador da barca bela / onde vais pescar com ela…-; 
  • Interrogação rétorica– Anjo és tu ou és mulher?-;
  • Adjetivação expressiva - e só te quero / de um querer bruto e fero / que não chega ao coração…; 
  • Antitese – Não te amo, quero-te! 
  • Exclamação – Olha bem estes sítios queridos! / vê-os bem neste olhar derradeiro!…; 
  • Personificação – olha o verde do triste pinheiro, entre muitos outros.
Garrett assume-se nesta obra como uma personagem que dialoga (apesar de a presença do interlocutor estar apenas subentendida), dirigindo palavras de doce amor ou raiva e desespero ao objecto do seu amor/paixão, ou ainda dando conselhos a um tu que está a iniciar-se na aventura do amor. 

Fontes: https://pt.wikipedia.org/wiki/Folhas_Ca%C3%ADdas